quinta-feira, 15 de julho de 2010

Sobre a proibição do castigo físico e a revista veja.

Provavelmente já é do conhecimento de todos a lei enviada pelo presidente Lula ao Congresso nesta quarta feira, dia 14, a qual proíbe os pais de darem as famosas "palmadas pedagógicas" e beslicões em seus filhos. Embora a medida tenha sido bem recebida por especialistas, tem dado o que falar entre aqueles a quem a restrição se aplica: os pais, e também entre alguns blogueiros da internet.




O blogueiro Reinaldo Azevedo, da revista Veja, em postagem realizada nesta quinta feira, 15 de julho, defende as palmadas utilizando-se de conceitos Psicanalíticos. Ele argumenta que:

agora o Brasil tem de pagar o pato porque o presidente, parece, teve um pai  ausente e violento — ao menos é o que ele diz —, o que o impediu de ter superego. Essa última constatação não é parte das minhas ironias, não! Isso é uma verdade psicanalítica. Consultem um especialista”,

Através desta fala, na verdade, Azevedo demonstra pura ignorância sobre os ideais, conceitos e aplicações da Psicanálise. Não há em ponto algum da literatura psicanalítica, qualquer argumento em favor do uso do castigo físico. Pelo contrário, o que Freud dizia, era que a educação deve ser menos repressiva. 

Procurando mais informações sobre a lei, logo de cara encontrei uma especialista, conforme clamado por Azevedo, que discorda de seu ponto de vista. A Psiquiatra e Psicanalista da PUC, Nina Furtado, diz que “a medida é positiva”  pois “já é sabido que agredir não faz com que a criança aprenda mais”. Partindo para uma perspectiva Behaviorista, a qual considero mais pragmática, podemos dizer que bater na criança, além de não ter resultados duradouros, inibe o comportamento inadequado apenas diante da possibilidade da criança voltar a apanhar. Em outros termos, na presença do pai a criança não faz bagunça, mas na presença de outros que não batem nela, ela faz. Além disso, bater na criança não ensina a ela o comportamento adequado; apenas suprime o inadequado. 

Bater é uma medida mais fácil, exige menos dedicação e atenção na hora de educar o filho. É mais fácil, por exemplo, do que controlar o próprio comportamento para não dar mau exemplo (criança aprende mais olhando do que ouvindo). É mais fácil também, por exemplo, do que valorizar o que a criança faz de bom, pois para que isto seja feito, é necessário que se dedique uma atenção e auto-controle maior à educação do filho. Na verdade, muitos pais dão mais atenção aos filhos quando eles erram do que quando eles acertam, e este já é um bom motivo para o filho voltar a errar. 

Deixar de bater no filho não significa deixar de impor limite, como podem supor alguns apressados com preguiça de pensar. Se é pra castigar, é bem mais efetivo tirar um direito da criança do que agredi-la (mesmo que de leve). Se o menino fez bagunça, tira o direito dele de assistir TV por algum tempo, ou coloque-o sozinho no quarto (não por muito tempo, se não o menino pode achar coisas legais pra fazer lá e acabar tornando-se interessante ficar de castigo. Um tempo legal é aproximadamente 2 minutos pra cada ano de vida da criança). Medidas neste sentido possibilitam, inclusive, que a criança pense sobre o que fez. Gosto deste tipo de medida em especial porque ela ensina a criança que além de direitos, ela tem deveres, e é através do cumprimento destes que ela conquista mais direitos. 

Muitas vezes as regras são contraditórias dentro de uma casa, e isto induz a criança a comportar-se mal. Os pais dizem que ela não pode dar birra, mas quando dá birra ela ganha o que quer. Criança aprende mais vendo (que dar a birra tem como conseqüência conseguir o que quer) do que ouvindo (que não pode dar birra). O menino bate no irmão mais novo, e apanha do pai que explica que não se pode resolver as coisas com violência. O pai ensina o filho que não pode gritar com a mãe, nem desobedecê-la, mas com freqüência a desautoriza ou grita com ela na presença do filho. Enfim, neste sentido, são inúmeras situações que passam despercebidas pelos pais na educação dos filhos que acabam ensinando-os a comportarem-se mal. 

Educar uma criança é difícil. Bater na criança é uma medida paliativa que engana com facilidade. Quantas vezes uma criança birrenta precisa apanhar pra aprender a não dar birra, ou um marginal precisa ser preso pra aprender a não roubar?  

O que quero dizer é que o bom comportamento da criança depende mais do tipo de modelos que ela tem em casa, na escola, na comunidade em que vive, na TV, e em outros ambientes, bem como do tipo de conduta que é valorizada e encorajada pelas pessoas significativas emocionalmente em sua vida e do tipo de informações que recebe, do que das palmadas que seus pais lhe dão. Existem inúmeras questões a serem elucidadas em uma boa discussão a respeito do porque a surra é falha, desnecessária, e sobre a existência de métodos alternativos mais eficientes (amplamente usados em terapia e orientação de pais de crianças com má conduta) que podem ser discutidas. Não serão aqui porque, além de tornar o texto muito longo, a discussão teórica em Psicologia não condiz com o objetivo deste blog.

Voltando agora à revista Veja. Espero que os colunistas que falam sobre comportamento se proponham a estudar um pouquinho. Há poucos dias uma postagem completamente absurda foi feita a respeito do Behaviorismo, e agora, esta outra falando bobagem da Psicanálise. Até lá, espero que ninguém leve muito a sério a revista Veja.

O que mais me surpreende na reportagem da revista veja, na verdade, nem é tanto a ignorância do blogueiro sobre a Psicanálise e sobre educação, mas sim, a ousadia em chamar de "indecente" aquele pai que não bate no filho.



Links consultados:

[1] AZEVEDO, REINALDO. Lula quer estatizar nossos filhos; não é só isso; quer punir os pais decentes, já que os indecentes continuarão a fazer o que sempre fizeram. Revista Veja.

[2] ZERO HORA. Projeto contra Palmadas Pedagógicas recebe apoio de especialistas no RS. Correio Brasiliense. 

3 comentários:

Jéh disse...

uma palavra porque, afinal, eu não preciso ser literata aqui né?

FODÃO

Anônimo disse...

Olá, Neto

Parabéns por seus blogs! Peguei os links no email que você me enviou hoje. Rapaz, esse Mainardi é tosco demais. É uma metralhadora xexelenta de bobagens e desesperadora falta de ética. Se dicionário de português fosse ilustrado, a palavra petulante certamente teria uma foto dele...
Grande abraço

A. Facioli

Neto disse...

Olá Adriano!

Muito obrigado pelos elogios. Quanto ao Mainardi, ví uns livros dele numa livraria que visitei ontem, fiz foi rir.